Perda de Peso com Fármacos?
Nos últimos anos, tornou-se evidente uma mudança no discurso que chega ao consultório. Aquilo que antes surgia como um desejo legítimo de “emagrecer com saúde” transformou-se, em muitos casos, numa procura direta por uma medicação específica — geralmente aquela que alguém usou, recomendou ou exibiu nas redes sociais.
Importa ser clara: não me refiro a pessoas com indicação clínica para tratamento farmacológico da obesidade. Refiro-me a quem encara o medicamento como primeira linha de intervenção, motivado por resultados rápidos, promessas simplificadas e uma narrativa digital que banalizou o uso de fármacos como se fossem suplementos inofensivos.
Sandrina Soares | Nutricionista 6095N
Edição Dezembro 2025
O cenário atual
A popularização dos agonistas do GLP-1 representou um avanço relevante no tratamento da obesidade. Negar isso seria desonesto. O problema não é a ferramenta — é a forma como está a ser utilizada.
O uso indiscriminado, as expectativas irreais e a ideia de solução definitiva criaram um terreno fértil para frustração. Quando a perda de peso ocorre de forma rápida, sem mudanças estruturais no comportamento alimentar, no padrão de atividade física e na relação com o corpo, o organismo responde de forma previsível:
Reduz o gasto energético basal;
Aumenta os sinais de fome;
Torna a manutenção do peso cada vez mais difícil.
O desfecho é recorrente: efeito rebound, sensação de falhanço pessoal e, não raras vezes, uma dependência psicológica da medicação.
O custo invisível
Paralelamente, vivemos uma epidemia silenciosa de insatisfação corporal. A exposição constante a corpos “perfeitos”, irreais e muitas vezes inatingíveis alimenta ansiedade, distorce a autoimagem e potencia comportamentos alimentares disfuncionais — sobretudo entre os mais jovens.
É essencial reforçar uma mensagem que parece estar a perder espaço no debate público: saúde não é sinónimo de magreza.
Força muscular, capacidade funcional, composição corporal e marcadores metabólicos são indicadores muito mais robustos de saúde e longevidade do que o peso isolado na balança.
O que está realmente em jogo
A farmacoterapia não é a vilã desta história. Tem o seu lugar, a sua indicação e resultados consistentes quando bem prescrita, acompanhada e integrada num plano terapêutico estruturado.
O problema surge quando o medicamento deixa de ser uma ferramenta clínica e passa a ser vendido — explícita ou implicitamente — como promessa estética. Quando se torna acessível sem orientação, sem responsabilidade e sem uma compreensão real dos riscos envolvidos.
Estamos, assim, a normalizar a ideia de que a saúde se compra em cápsulas. E a criar uma geração que se frustra quando o corpo não corresponde ao guião simplista que lhe foi prometido.
Uma reflexão necessária
Enquanto profissionais de saúde, é inevitável questionar:
Qual é o nosso papel neste cenário?
Como equilibrar o avanço científico com responsabilidade ética?
Como educar uma população constantemente bombardeada por promessas de saúde que, na prática, reforçam a mesma lógica estética?
A minha posição é clara: sem educação, sem pensamento crítico e sem uma abordagem centrada na pessoa — e não apenas no peso — continuaremos a tratar consequências em vez de causas.
A saúde sustentável nunca foi, nem nunca será, um atalho!